segunda-feira, 23 de julho de 2012

Passarinheiro



            Texto escrito para Bárbara, que sentava no chão... (Ele te livra-rá do laço do passarinheiro Salmos 91:3)


Precisamos olhar mais detalhadamente para aquilo que não gostamos de ver. Temos muito a aprender “na e com” aquilo que se apresenta desagradável ao nosso olhar.
            “A candeia do corpo é o olho.. .que a luz que em ti há não sejam trevas” Lc. 11:34-35.
            Seguidamente vem um passarinho brigar com sua própria imagem refletida na vidraça da minha janela.
            Sempre que alguém ou alguma coisa começa a me causar incômodo, eu me vejo como aquele passarinho, porque o que não gostamos no outro, é justamente ver refletido nele aquilo que nos desagrada ver em nós, mas que, de alguma forma, e por algum motivo, eu ainda não resolvi em mim.
            Eu tenho muitas desculpas, medos, rancores, temores, fraquezas, teimosias; que não encaro de frente, e que por isso mesmo, não saem de mim.
            Faz algum tempo, eu conheci uma moça que mendiga nas escadarias da estação do trensurb, na capital: levei pra ela roupas, calçados, cobertas...que ela não usa. Vive rasgada, suja, mal agasalhada. Convido ela pra vir comigo...ela me diz: “tal dia eu irei” - mas não vem.
            Me incomoda ouvi-la pedindo, ao me aproximar: “uma moeda, tia”
            ...“mas foi assim para que se manifestasse nele as obras de Deus” Jo. 9:3
            Eu queria lhe dar mais que uma moeda: Eu queria lhe dar o gosto de buscar sua própria comida, seu calçado, sua roupa... Eu queria lhe ajudar a entender que ela vale mais que uma moeda. E que, quando eu lhe dou, é tão pouco o que entrego, que é como se eu lhe estivesse dizendo: Tu vale somente isto. Teu preço é só este. Tô pagando o que tu vale.
            E ao mesmo tempo, muitas vezes nem a moeda tenho eu, no meu bolso. Então me sinto mais mendiga que ela, ainda.
            Ou fico pensando dela: “Ela quer dinheiro pra desperdiçar com drogas”, julgando-a.  
            Mas Jesus disse: “...dai a quem te pede”; e: “...tive fome e destes-me de comer...estava nu, e vestistes-me...”(Mt.25:35-36) 
            Em relação ao que se passa entre ela e eu, pouco ou nada me agrada: Nem quando eu lhe dou alguma coisa, porque alguma coisa não chega ser algo; nem quando eu não tenho nada pra dar, porque aí ela toca na minha ferida: eu me sinto mais pobre que ela, e a pior pobreza é a interior.
            Não raramente, não temos nada pra dar a alguém, e isto perturba meu coração. Me incomoda quando eu sento pra comer, quando percebo meus pés aquecidos, minha cama boa...minha casa espaçosa... E não ter nada pra dar...  
            Me incomoda com o porquê dela ser tão pronta para estar sentada no chão, no frio, com fome, ou na soleira do verão, pedindo uma única moeda. E não ter uma vontade para qualquer coisa que não seja depender de uma segunda pessoa.
            Por que ela se apega tanto ao tão pouco? Como eu?          
            Então eu comecei a entender que o que me incomodava nela, era justamente ver nela a mesma fraqueza, a mesma falta de vontade que vejo em mim, vez em quando. Me incomoda ver na atitude dela, a atitude de alguém que deixou de lutar pelo mínimo de dignidade humana. A mesma falta de coragem que eu vejo em mim, em buscar daquilo que me interessa, e ficar apegada à migalha.
            Me repugna o mau cheiro dela, o suor nauseabundo que ela tem, ao sol, que deve ser semelhante ao mau cheiro que o meu pecado deve recender no mundo espiritual.
            Todos pecaram... Todos pecamos  e estamos sujos...           
            Não gosto de ver restos de sujeira nos dentes dela, nos olhos dela, nos cabelos dela...mas também estou suja...
            Me enoja as vestes rasgadas, a falta de higiene nas mãos enquanto come. Até a ansiedade em comer com a boca cheia demais às vezes me deixa pensando.
            Eu descobri que eu não gosto de nenhuma destas características porque são as mesmas minhas, também, e eu as carrego comigo a contra gosto, sem fazer esforço para trabalhá-las em mim.
            Eu preciso limpar o meu coração, tirar dele sentimentos mesquinhos em relação ao outro. Eu tenho que parar de olhar com estes olhos da cara, que só vêem os defeitos nos outros... Eu preciso tirar a remela dos olhos.
            Eu tenho que parar de falar com a boca cheia. Eu preciso ouvir mais. Eu preciso ter fome é nos ouvidos...Eu preciso é ter ouvidos cheios de Deus, e boca vazia de mim.
            ...quem tem ouvidos, ouça...
            Preciso ter coragem para limpar as mucosas ressecadas do meu nariz. Meu cascão da alma.
            Limpar meu cabelo. Minha cabeça fede. Meus pensamentos recendem a imundície. 
            Aparar as unhas. Lixar meus calcanhares. Aprender a tocar as pessoas sem machucá-las, a não sujar aqueles que toco. Lavar meus pés, pisar com suavidade...Preciso pisar o solo sagrado com pés limpos.
            Me esvaziar de mim. 
            Me livrar do meu mau cheiro. O mau cheiro das minhas opiniões, das minhas colocações desnecessárias, dos meus achismos, dos meus julgamentos e conceitos...
            O linguajar do mundo deixa nosso hálito podre. Certas palavras que pronunciamos deixa nossa saliva pegajosa e a língua rançosa.
            Nossa falta de amor dentro da nossa casa, com nossa mãe, nossos irmãos; nossa falta de paciência e atenção com nosso colega de aula, de trabalho, com as pessoas que cruzamos, deixa nossa simples presença desagradável. Nossa aparência repugnante.
            Tenho fome de gostar do outro. Tenho sede de querer bem ao/pro outro.
            Nós sentamos nas escadas da nossa fraqueza, da nossa pobreza interior e esperamos que os outros alcancem nossa comida, nossa roupa...a mão. Que façam tudo pra nós: se me disser o que eu quero ouvir, então farei tal coisa...
            Sempre mendigando o que é do outro. A moedinha do outro. A sobra do outro.
            “Dá moedinha, tia?”
            Analisando mais detalhadamente: Isto é um pedido, ou uma pergunta? Que te parece? 
            Deus nos deu a melhor vestimenta, mas nos apresentamos diante dele como farrapos, descalços... Ele lavou nossos pés. Ele nos convida para estarmos com Ele, mas ficamos sentados no chão da nossa falta de fé. Da nossa falta de vontade da vontade de Deus pra nós.
            Deus age na nossa vontade pras coisas Dele. Na quantia da nossa vontade para com Ele, para com as coisas referentes a Ele. Na nossa disponibilidade. Disposição.
            Deus não vai nos levantar do chão, pelos cabelos...É o amor de Deus que nos ergue. Porque nos amou “de tal maneira”, que excede nosso entendimento. O amor de Deus é difícil de ser compreendido e vivenciado por nós. Crido.   
            Que mania que eu tenho de depender em tudo dos outros, quando eu só dependo da vontade que permito ser produzida em mim, pelo amor, e pela misericórdia de Deus?
            Quando vou levantar minha bunda do chão?
            Quando é que eu vou escovar meus dentes sujos de comer pela boca dos outros, pela leitura que o outro faz das pessoas, dos fatos, da vida? Quando é que eu vou ter minha própria escova? Meu pente?
            Cadê o banheiro pra tirar esta sujeira que tem se acumulado em mim? Não quero mais este lixo na volta. Chega desta nojeira de me espojar nas mesmas lamas, como um porco.
            E por que moedinha? Se Deus tem pra nós uma vida decente, casa, amigos, família, pessoas que nos ame? ...vida abundante? 
            Que noção terá aquela moça do que seja o amor de Deus? Quando eu mesma pouco realizo o amor de Deus na minha vida, e vejo esta mesma realidade ao meu redor?
Quando tenho ouvido muitas vozes falando sobre amor... Pregadores fervorosos do Amor, e uma pobreza da real efetivação deste amor vivido e repartido?
Amor só vive em comunhão.
            Estamos sentados no chão da nossa falta de vontade. Da nossa falta de amor, doação, da nossa falta de fé. De temor a Deus, de chorar pelos que sofrem, pela alma dos perdidos, dos que não conhecem a Deus. Na nossa falta de amor por Jesus. De gostar de Jesus. Gostar dele. Gostar.
            Eu preciso parar de mendigar pão na mesa de meu pai, de andar molamba na tecelagem dele, de implorar trocado, na casa da moeda dele.
            Nascer de novo. Me tornar filho. Ser herdeiro. Herdeiro não mendiga herança: toma posse dela.
            Precisamos assumir nossa filiação, aceitando ao nosso irmão mais velho, e obedecendo ao Pai.
            Amar a Deus, de todo o meu coração, de toda a minha alma, com todo meu entendimento e com toda a minha força.
            E permanecer nele.
            “Aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele”. Jesus Cristo
            Vamos pra Cristo e com Cristo, juntos?

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