Texto escrito para Bárbara, que sentava no chão... (Ele te livra-rá do laço do passarinheiro Salmos 91:3)
Precisamos olhar mais detalhadamente para aquilo que não gostamos de ver. Temos muito a aprender “na e com” aquilo que se apresenta desagradável ao nosso olhar.
Precisamos olhar mais detalhadamente para aquilo que não gostamos de ver. Temos muito a aprender “na e com” aquilo que se apresenta desagradável ao nosso olhar.
“A
candeia do corpo é o olho.. .que a luz que em ti há não sejam trevas” Lc.
11:34-35.
Seguidamente
vem um passarinho brigar com sua própria imagem refletida na vidraça da minha
janela.
Sempre
que alguém ou alguma coisa começa a me causar incômodo, eu me vejo como aquele
passarinho, porque o que não gostamos no outro, é justamente ver refletido nele
aquilo que nos desagrada ver em nós, mas que, de alguma forma, e por algum
motivo, eu ainda não resolvi em mim.
Eu
tenho muitas desculpas, medos, rancores, temores, fraquezas, teimosias; que não
encaro de frente, e que por isso mesmo, não saem de mim.
Faz
algum tempo, eu conheci uma moça que mendiga nas escadarias da estação do
trensurb, na capital: levei pra ela roupas, calçados, cobertas...que ela não
usa. Vive rasgada, suja, mal agasalhada. Convido ela pra vir comigo...ela me
diz: “tal dia eu irei” - mas não vem.
Me
incomoda ouvi-la pedindo, ao me aproximar: “uma moeda, tia”
...“mas
foi assim para que se manifestasse nele as obras de Deus” Jo. 9:3
Eu
queria lhe dar mais que uma moeda: Eu queria lhe dar o gosto de buscar sua
própria comida, seu calçado, sua roupa... Eu queria lhe ajudar a entender que
ela vale mais que uma moeda. E que, quando eu lhe dou, é tão pouco o que
entrego, que é como se eu lhe estivesse dizendo: Tu vale somente isto. Teu
preço é só este. Tô pagando o que tu vale.
E
ao mesmo tempo, muitas vezes nem a moeda tenho eu, no meu bolso. Então me sinto
mais mendiga que ela, ainda.
Ou
fico pensando dela: “Ela quer dinheiro pra desperdiçar com drogas”,
julgando-a.
Mas
Jesus disse: “...dai a quem te pede”; e: “...tive fome e destes-me de
comer...estava nu, e vestistes-me...”(Mt.25:35-36)
Em
relação ao que se passa entre ela e eu, pouco ou nada me agrada: Nem quando eu
lhe dou alguma coisa, porque alguma coisa não chega ser algo; nem quando eu não
tenho nada pra dar, porque aí ela toca na minha ferida: eu me sinto mais pobre
que ela, e a pior pobreza é a interior.
Não
raramente, não temos nada pra dar a alguém, e isto perturba meu coração. Me
incomoda quando eu sento pra comer, quando percebo meus pés aquecidos, minha
cama boa...minha casa espaçosa... E não ter nada pra dar...
Me
incomoda com o porquê dela ser tão pronta para estar sentada no chão, no frio,
com fome, ou na soleira do verão, pedindo uma única moeda. E não ter uma
vontade para qualquer coisa que não seja depender de uma segunda pessoa.
Por
que ela se apega tanto ao tão pouco? Como eu?
Então
eu comecei a entender que o que me incomodava nela, era justamente ver nela a
mesma fraqueza, a mesma falta de vontade que vejo em mim, vez em quando. Me incomoda ver
na atitude dela, a atitude de alguém que deixou de lutar pelo mínimo de
dignidade humana. A mesma falta de coragem que eu vejo em mim, em buscar
daquilo que me interessa, e ficar apegada à migalha.
Me
repugna o mau cheiro dela, o suor nauseabundo que ela tem, ao sol, que deve ser
semelhante ao mau cheiro que o meu pecado deve recender no mundo espiritual.
Todos
pecaram... Todos pecamos e estamos
sujos...
Não
gosto de ver restos de sujeira nos dentes dela, nos olhos dela, nos cabelos
dela...mas também estou suja...
Me
enoja as vestes rasgadas, a falta de higiene nas mãos enquanto come. Até a
ansiedade em comer com a boca cheia demais às vezes me deixa pensando.
Eu
descobri que eu não gosto de nenhuma destas características porque são as
mesmas minhas, também, e eu as carrego comigo a contra gosto, sem fazer esforço
para trabalhá-las em mim.
Eu
preciso limpar o meu coração, tirar dele sentimentos mesquinhos em relação ao
outro. Eu tenho que parar de olhar com estes olhos da cara, que só vêem os
defeitos nos outros... Eu preciso tirar a remela dos olhos.
Eu
tenho que parar de falar com a boca cheia. Eu preciso ouvir mais. Eu preciso
ter fome é nos ouvidos...Eu preciso é ter ouvidos cheios de Deus, e boca vazia
de mim.
...quem
tem ouvidos, ouça...
Preciso
ter coragem para limpar as mucosas ressecadas do meu nariz. Meu cascão da alma.
Limpar
meu cabelo. Minha cabeça fede. Meus pensamentos recendem a imundície.
Aparar
as unhas. Lixar meus calcanhares. Aprender a tocar as pessoas sem machucá-las,
a não sujar aqueles que toco. Lavar meus pés, pisar com suavidade...Preciso
pisar o solo sagrado com pés limpos.
Me
esvaziar de mim.
Me
livrar do meu mau cheiro. O mau cheiro das minhas opiniões, das minhas
colocações desnecessárias, dos meus achismos, dos meus julgamentos e
conceitos...
O
linguajar do mundo deixa nosso hálito podre. Certas palavras que pronunciamos
deixa nossa saliva pegajosa e a língua rançosa.
Nossa
falta de amor dentro da nossa casa, com nossa mãe, nossos irmãos; nossa falta
de paciência e atenção com nosso colega de aula, de trabalho, com as pessoas
que cruzamos, deixa nossa simples presença desagradável. Nossa aparência
repugnante.
Tenho
fome de gostar do outro. Tenho sede de querer bem ao/pro outro.
Nós
sentamos nas escadas da nossa fraqueza, da nossa pobreza interior e esperamos
que os outros alcancem nossa comida, nossa roupa...a mão. Que façam tudo pra
nós: se me disser o que eu quero ouvir, então farei tal coisa...
Sempre
mendigando o que é do outro. A moedinha do outro. A sobra do outro.
“Dá
moedinha, tia?”
Analisando
mais detalhadamente: Isto é um pedido, ou uma pergunta? Que te parece?
Deus
nos deu a melhor vestimenta, mas nos apresentamos diante dele como farrapos,
descalços... Ele lavou nossos pés. Ele nos convida para estarmos com Ele, mas
ficamos sentados no chão da nossa falta de fé. Da nossa falta de vontade da
vontade de Deus pra nós.
Deus
age na nossa vontade pras coisas Dele. Na quantia da nossa vontade para com
Ele, para com as coisas referentes a Ele. Na nossa disponibilidade. Disposição.
Deus
não vai nos levantar do chão, pelos cabelos...É o amor de Deus que nos ergue.
Porque nos amou “de tal maneira”, que excede nosso entendimento. O amor de Deus
é difícil de ser compreendido e vivenciado por nós. Crido.
Que
mania que eu tenho de depender em tudo dos outros, quando eu só dependo da
vontade que permito ser produzida em mim, pelo amor, e pela misericórdia de
Deus?
Quando
vou levantar minha bunda do chão?
Quando
é que eu vou escovar meus dentes sujos de comer pela boca dos outros, pela
leitura que o outro faz das pessoas, dos fatos, da vida? Quando é que eu vou
ter minha própria escova? Meu pente?
Cadê
o banheiro pra tirar esta sujeira que tem se acumulado em mim? Não quero mais
este lixo na volta. Chega desta nojeira de me espojar nas mesmas lamas, como um
porco.
E
por que moedinha? Se Deus tem pra nós uma vida decente, casa, amigos, família,
pessoas que nos ame? ...vida abundante?
Que
noção terá aquela moça do que seja o amor de Deus? Quando eu mesma pouco
realizo o amor de Deus na minha vida, e vejo esta mesma realidade ao meu redor?
Quando tenho ouvido
muitas vozes falando sobre amor... Pregadores fervorosos do Amor, e uma pobreza
da real efetivação deste amor vivido e repartido?
Amor só vive em
comunhão.
Estamos
sentados no chão da nossa falta de vontade. Da nossa falta de amor, doação, da
nossa falta de fé. De temor a Deus, de chorar pelos que sofrem, pela alma dos
perdidos, dos que não conhecem a Deus. Na nossa falta de amor por Jesus. De
gostar de Jesus. Gostar dele. Gostar.
Eu
preciso parar de mendigar pão na mesa de meu pai, de andar molamba na tecelagem
dele, de implorar trocado, na casa da moeda dele.
Nascer
de novo. Me tornar filho. Ser herdeiro. Herdeiro não mendiga herança: toma
posse dela.
Precisamos
assumir nossa filiação, aceitando ao nosso irmão mais velho, e obedecendo ao
Pai.
Amar
a Deus, de todo o meu coração, de toda a minha alma, com todo meu entendimento
e com toda a minha força.
E
permanecer nele.
“Aquele
que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele”.
Jesus Cristo
Vamos
pra Cristo e com Cristo, juntos?
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